Glenis Gomes Steckel
- GLENIS STECKEL
- 14 de set.
- 4 min de leitura

A Prova Digital na Era da Informação
O avanço tecnológico e a ubiquidade da internet transformaram a maneira como nos comunicamos e interagimos. Consequentemente, o ambiente digital tornou-se um vasto repositório de informações, muitas das quais são relevantes para a resolução de conflitos judiciais. Mensagens de texto, áudios, imagens e vídeos trocados por meio de aplicativos e redes sociais passaram a integrar o acervo probatório em diversas ações, desde disputas trabalhistas até litígios civeis.
No entanto, a natureza fluida e volátil desses dados digitais impõe um desafio significativo ao sistema jurídico. Uma simples captura de tela, por exemplo, é facilmente contestável, pois não oferece garantias de sua autenticidade, data ou origem. É nesse cenário que a ata notarial emerge como um instrumento crucial, conferindo fé pública à prova digital e mitigando os riscos de sua fragilidade e manipulação.
1. O Efeito da Fé Pública: Segurança Jurídica e Incontestabilidade da Prova
O principal efeito positivo da ata notarial reside na atribuição da fé pública aos fatos por ela constatados. O tabelião, como profissional do direito dotado de delegação estatal, age com imparcialidade e atesta a existência de um fato, no caso, a constatação de mensagens, imagens e áudios em um ambiente digital.
Essa intervenção qualificada eleva a prova digital de um mero indício para um documento com presunção de veracidade. A ata notarial descreve minuciosamente o processo de verificação, incluindo o dispositivo utilizado, o acesso aos aplicativos e o conteúdo exato, em uma data e hora precisas. Isso cria uma prova robusta e dificilmente contestável, pois a parte contrária não poderá simplesmente alegar que o material foi fabricado ou alterado. Em vez de questionar a autenticidade da prova, o debate se concentra no mérito do fato em si, o que é um avanço significativo na segurança jurídica.
O uso da ata notarial no ordenamento jurídico brasileiro não é um costume, mas uma prática com sólida base legal, o que reforça sua eficácia e segurança. As principais leis que a fundamentam são:
Código de Processo Civil ( CPC), Lei nº 13.105/2015: Este é o principal dispositivo que legitima a ata notarial como meio de prova em processos judiciais. O Artigo 384 do CPC estabelece:
"A existência ou modo de existir de algum fato pode ser atestada ou documentada, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião de notas."
Este artigo confere à ata notarial a prerrogativa de fazer prova plena dos fatos nela documentados, o que é essencial para o uso de dados digitais em juízo.
Lei nº 8.935/94 ( Lei dos Notários e Registradores): Esta legislação regulamenta as atividades dos serviços notariais e de registro. O Artigo 6º, inciso III, define expressamente a competência dos notários para "lavrar atas notariais, fazendo constar a existência e modo de existir de fatos, a seu pedido". Isso confere ao tabelião a autoridade para constatar e documentar a realidade, incluindo a digital.
2. Efeitos na Celeridade e Economia Processual
A produção de provas digitais em juízo, sem a formalidade da ata notarial, frequentemente leva à necessidade de perícias técnicas complexas e demoradas. Esses procedimentos, além de prolongarem o andamento do processo, geram custos elevados para as partes e para o próprio Poder Judiciário.
A ata notarial, ao apresentar uma prova pré-constituída e já validada, acelera o trâmite processual. O magistrado, ao receber o documento com fé pública, pode prescindir da perícia, pois a constatação da existência da prova já foi feita por um agente imparcial. Isso não apenas torna a resolução dos litígios mais rápida, mas também promove uma economia financeira substancial, uma vez que o custo da ata notarial é significativamente menor que o de uma perícia técnica.
3. O Papel na Preservação da Evidência Digital
A volatilidade é uma característica inerente ao mundo digital. Mensagens podem ser apagadas acidentalmente, contas podem ser desativadas e conteúdos podem ser removidos da internet a qualquer momento. Essa efemeridade representa um risco para a parte que depende da prova digital, que pode simplesmente desaparecer.
A ata notarial atua como uma cápsula do tempo, capturando a prova em um momento específico e garantindo sua permanência. O documento lavrado pelo tabelião preserva o conteúdo original, independentemente de ele ser removido do ambiente digital. Isso é crucial para assegurar que a evidência esteja disponível para ser utilizada em um futuro processo judicial, evitando a perda irreparável de informações essenciais para o desfecho da lide.
4. Versatilidade e Abrangência da Aplicação
A eficácia da ata notarial não se limita a um único ramo do direito, estendendo-se a diversas áreas, o que demonstra sua ampla utilidade e versatilidade:
No Direito do Trabalho: para provar casos de assédio moral ou o envio de ordens de serviço fora do expediente.
No Direito Penal: para registrar ameaças, injúrias ou calúnias feitas por meio de aplicativos de mensagens.
No Direito de Família: para documentar acordos informais sobre pensão alimentícia ou guarda de filhos.
No Direito do Consumidor: para registrar mensagens de publicidade enganosa ou a não entrega de um produto adquirido online.
A ata notarial também desempenha um papel preventivo, pois sua simples apresentação pode incentivar a parte contrária a negociar um acordo, ciente da solidez da prova.
Conclusão: A Ata Notarial como um Instrumento Essencial
A ata notarial emerge como uma resposta jurídica eficiente e necessária aos desafios impostos pela prova digital. Ao conferir fé pública a mensagens, imagens e áudios, ela transforma dados voláteis em instrumentos probatórios sólidos e incontestáveis. Os efeitos positivos de seu uso — a segurança jurídica, a celeridade e economia processual, a preservação da evidência e a ampla aplicabilidade — a tornam uma ferramenta indispensável para advogados e magistrados na era digital. Em última análise, a ata notarial não apenas válida a prova, mas também fortalece o acesso à justiça, garantindo que a verdade dos fatos, mesmo quando contida em um ambiente virtual, possa ser plenamente demonstrada em juízo.
Glênis Steckel
Advogado
Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil.



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