a saúde nas comunidades ribeirinhas
- GLENIS STECKEL
- 2 de nov.
- 6 min de leitura
Por Keit Maciel Steckel
Acadêmica de medicina

🛶 Saúde no Coração da Floresta: Desafios e Avanços nas Comunidades Ribeirinhas do Amazonas
O vasto e complexo território amazônico abriga uma população única – os ribeirinhos. Estas comunidades, que vivem em estreita relação com os rios e igarapés, enfrentam um panorama de saúde marcado por desafios geográficos, logísticos e socioculturais. Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) seja universal, garantir o acesso e a qualidade da atenção primária a essa população dispersa no Amazonas é uma das missões mais complexas da saúde pública brasileira.
🗺️ O Desafio Geográfico e o Acesso
O principal obstáculo para a saúde ribeirinha é, inegavelmente, a distância. As comunidades, muitas vezes isoladas por longas horas de viagem fluvial, têm o acesso aos serviços de saúde dificultado.
Barreiras Geográficas: O deslocamento é feito predominantemente por pequenas embarcações, e o tempo de viagem até as Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou hospitais na sede dos municípios pode levar horas, e em alguns casos, até mais de um dia, principalmente nos períodos de seca, quando a navegabilidade se torna crítica.
Falta de Infraestrutura: A ausência de saneamento básico, o acesso limitado à água potável tratada e a falta de energia elétrica em muitas comunidades agravam as condições de vida e elevam a vulnerabilidade a doenças.
🦠 Doenças Prevalentes: Uma Questão de Saneamento e Vetores
As condições socioambientais precárias e a proximidade com o ecossistema aquático e florestal ditam o perfil epidemiológico das comunidades, com uma alta incidência de doenças relacionadas:
Doenças Infecciosas e Parasitárias: A malária, com destaque para o Plasmodium vivax, é endêmica na região amazônica e tem alta incidência entre os ribeirinhos. Além disso, as parasitoses intestinais e diarreias agudas são comuns, decorrentes do consumo de água sem tratamento adequado.
Outras Condições: Também são frequentemente registradas infecções do trato urinário, anemias, e, mais recentemente, o aumento de problemas crônicos como a hipertensão arterial e o diabetes, muitas vezes sem o devido acompanhamento contínuo.
Impacto da Seca/Cheia: Os períodos de estiagem extrema (seca) levam a um aumento de doenças de veiculação hídrica (como as diarreias), devido à piora da qualidade da água dos rios, e problemas respiratórios causados pela fumaça das queimadas.
🚢 Soluções Estruturais e o SUS no "Balanço do Banzeiro"
Para enfrentar esses desafios singulares, o Ministério da Saúde desenvolveu modalidades de atendimento adaptadas ao contexto amazônico:
Equipes de Saúde da Família Ribeirinhas (ESFR): São equipes completas, com médicos, enfermeiros, técnicos e agentes comunitários de saúde (ACS), que se deslocam regularmente para as comunidades, prestando atendimento itinerante por meio de embarcações de pequeno porte.
Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF): Verdadeiras "unidades de saúde na água", as UBSF são embarcações maiores, estruturadas com consultórios, salas de vacina, farmácia e, por vezes, consultório odontológico. Elas servem como base para as equipes, permitindo um atendimento mais complexo e continuado em circuitos fluviais programados.
Ambulanchas (SAMU Fluvial): Para os casos de urgência e emergência, o uso de "ambulanchas" (unidades de resgate fluvial) tem sido ampliado para garantir a remoção rápida de pacientes para unidades de referência.
🤝 O Caminho da Interculturalidade no Cuidado
Além das soluções logísticas, a eficácia do cuidado depende do respeito e da integração dos saberes locais.
Valorização do Saber Tradicional: É essencial que os profissionais de saúde adotem uma abordagem intercultural, reconhecendo e respeitando os modos de vida, a cultura, e os conhecimentos de saúde tradicional dos ribeirinhos (como o uso de plantas medicinais e a figura do pajé ou da parteira).
Educação em Saúde: As ações de promoção e prevenção devem ser adaptadas à realidade local, focando em hábitos saudáveis, higiene e no tratamento da água, promovendo o empoderamento das comunidades nas decisões sobre sua própria saúde.
Em suma, a saúde nas comunidades ribeirinhas do Amazonas é um espelho das desigualdades regionais e um campo de inovação na saúde pública. Apesar dos avanços com as equipes e unidades fluviais, a persistência dos desafios logísticos, das precárias condições sanitárias e das doenças endêmicas exige a contínua ampliação de investimentos, o fortalecimento das políticas específicas e o desenvolvimento de um cuidado que seja, ao mesmo tempo, técnico, humano e profundamente adaptado ao ritmo das águas da Amazônia.
🛡️ Estratégias de Prevenção e Promoção da Saúde nas Comunidades Ribeirinhas do Amazonas: Navegando Rumo ao Bem-Estar
No contexto amazônico, as ações de saúde preventiva transcendem a simples aplicação de vacinas ou distribuição de medicamentos. Elas se configuram como uma combinação de logística complexa, educação em saúde contextualizada e o fortalecimento das condições de vida básicas para reduzir a vulnerabilidade da população. A prevenção é a chave para desafogar o sistema de saúde e garantir uma vida digna aos ribeirinhos.
1. 💉 Imunização e Controle de Doenças Transmissíveis (Prevenção Primária)
O acesso regular às vacinas e o controle ativo de vetores são essenciais para evitar surtos e erradicar doenças.
Cobertura Vacinal Itinerante: A estratégia mais eficaz é a imunização por expedição, realizada pelas Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF) e Equipes de Saúde da Família Ribeirinhas (ESFR). Elas garantem que as vacinas do calendário básico, bem como campanhas específicas (como contra COVID-19, Febre Amarela e Antirrábica Animal), cheguem às comunidades mais isoladas. Muitas vezes, adota-se o modelo de "vacinação integral" de todos os elegíveis na comunidade, para otimizar o uso da logística.
Controle de Malária e Vetores: A prevenção da malária, endêmica na região, envolve:
Diagnóstico e Tratamento Imediato: A principal prevenção é tratar o caso de malária rapidamente para cortar o ciclo de transmissão. As equipes fluviais levam os kits de diagnóstico (gota espessa) e medicamentos.
Distribuição de Mosquiteiros: Fornecimento e orientação sobre o uso correto de mosquiteiros impregnados com inseticida.
Educação em Saúde: Conscientização sobre os horários de maior risco (crepúsculo) e uso de roupas protetoras.
Vigilância Ativa (Hanseníase e Tuberculose): A prevenção da incapacidade e da transmissão dessas doenças negligenciadas exige a busca ativa de casos pelas equipes. Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e técnicos de enfermagem buscam por sintomas nas visitas domiciliares, realizando exames de contatos e garantindo o início e a adesão ao tratamento, muitas vezes longo e supervisionado, para evitar o abandono.
2. 💧 Saneamento e Higiene: A Base da Saúde (Promoção e Proteção)
Muitas doenças prevalentes resultam da precariedade das condições de saneamento. A prevenção, neste caso, é intersetorial, dependendo da engenharia e da educação.
Acesso à Água Segura:
Tratamento Doméstico: As equipes orientam sobre o uso correto do hipoclorito de sódio para desinfecção da água coletada diretamente do rio ou de poços.
Tecnologias Sociais: Promoção e apoio à implantação de cisternas e filtros de água eficazes e de baixo custo, adaptados às cheias e secas.
Higiene e Destino do Esgoto:
Incentivo à construção de fossas sépticas ou ecológicas, para evitar que dejetos sejam lançados in natura nos igarapés, contaminando a fonte de água e as áreas de lazer.
Educação sobre a higiene pessoal e alimentar, com foco na lavagem das mãos, no preparo adequado dos alimentos e no descarte correto do lixo.
3. 🍎 Promoção de Hábitos Saudáveis e Sustentáveis
A prevenção também passa pela manutenção do bem-estar geral e pela valorização dos recursos locais.
Alimentação e Nutrição: As ações promovem a escolha por alimentos in natura e regionais (peixes, frutas e verduras da região) em detrimento de industrializados, refrigerantes e processados. Essa orientação é vital para combater tanto a desnutrição (mais comum em crianças) quanto o aumento de DCNTs (Hipertensão, Diabetes) relacionadas ao consumo excessivo de sal, açúcar e gordura.
Saúde Bucal: A prevenção odontológica é uma prioridade, dada a dificuldade de acesso a tratamentos complexos. As equipes fluviais realizam ações educativas, distribuição de kits de higiene e flúor, e ensinam a técnica de escovação.
Saúde da Mulher e da Criança: As equipes garantem o acompanhamento pré-natal e o acesso ao exame citopatológico (preventivo), cruciais para a detecção precoce de câncer de colo de útero e para reduzir a mortalidade materna e infantil.
Práticas Integrativas (Interculturalidade): A prevenção inclui o respeito ao saber local. A promoção da saúde deve incorporar o conhecimento tradicional do ribeirinho, como o uso de plantas medicinais e o apoio de figuras como o pajé e a parteira, integrando-os ao cuidado científico em um diálogo de saberes.
Foco da Prevenção | Ação Essencial | Agente Principal |
Doenças Hídricas | Tratamento e Filtragem da Água | ACS e Equipe de Enfermagem |
Malária | Diagnóstico Rápido e Mosquiteiros | ACS e Microscopista |
DCNTs | Orientação Nutricional e Atividade Física | Médico e Nutricionista (Itinerante) |
Câncer do Colo | Exame Preventivo (Citopatológico) | Enfermeiro (UBSF) |
A prevenção nas comunidades ribeirinhas é, portanto, um ato de resistência contra as desigualdades e as adversidades do ambiente. Ela se sustenta na regularidade das equipes, na capacidade de adaptação à dinâmica dos rios e, acima de tudo, no vínculo de confiança estabelecido entre os profissionais de saúde e os moradores da floresta.



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